Sistema transforma resíduos de alimentos em biogás
Tecnologia da Embrapa e Universidade Federal do Ceará gera biogás a partir de resíduos das Ceasas, reduzindo custos e impactos ambientais

A produção de biogás ganhou um reforço importante com o Sistema Integrado de Reatores Anaeróbios, desenvolvido pela Embrapa em parceria com a Universidade Federal do Ceará (UFC). O modelo aproveita integralmente frutas e hortaliças impróprias para consumo humano, comuns nas perdas durante transporte e armazenamento, e transforma esse material em energia renovável.
Todos os meses, de 17 a 25 toneladas de frutas e verduras da Central de Abastecimento do Ceará (Ceasa-CE) são descartadas em aterros sanitários. O custo desse processo passa dos R$ 200 mil mensais e representa um passivo ambiental considerável. Com a nova tecnologia, esse resíduo pode ser convertido em biogás com alto teor de metano, suficiente para suprir até 100% da demanda de energia elétrica da Ceasa nos horários de pico, gerando ainda uma economia de 20% na conta.
Segundo o pesquisador da Embrapa Agroindústria Tropical, Renato Leitão, o biogás também pode ser comercializado como biometano, após tratamento adequado. “O impacto pode ser enorme: energia limpa, menos resíduos, mais empregos e economia circular na prática”, resume André dos Santos, professor do Departamento de Engenharia Hidráulica e Ambiental da UFC.

O sistema funciona de forma mais eficiente que os reatores convencionais. O processo tradicional, feito em Reatores de Mistura Completa (CSTR), exige grandes volumes e enfrenta limitações. Já o novo modelo realiza um pré-tratamento que tritura e prensa os resíduos, separando-os em duas frações: líquida e sólida. A parte líquida segue para reatores de manta de lodo de fluxo ascendente (UASB), ideais para altas cargas orgânicas e altamente biodegradáveis. Já a fração sólida pode ser usada na compostagem, gerando fertilizantes de qualidade, ou em reatores de metanização seca, ainda em fase de estudos.
A inovação reduz custos de transporte e tratamento do lixo, evita emissões de gases de efeito estufa e pode ser replicada em outras 57 Ceasas espalhadas pelo Brasil. Hoje, o país perde cerca de 42% dos alimentos produzidos ao longo da cadeia produtiva. Só nas centrais de abastecimento, 30% de frutas e verduras não chegam à mesa, o que equivale a 10,9 milhões de toneladas por ano. A maior Ceasa da América Latina, em São Paulo, gera de 150 a 180 toneladas de resíduos por dia.
Além do biogás, os pesquisadores também testaram a produção de biohidrogênio com a chamada fermentação escura, uma tecnologia emergente para geração de energia limpa. Embora os resultados ainda não sejam competitivos, o estudo abre caminho para novas rotas de aproveitamento no futuro.
A digestão anaeróbia – base do sistema – é um processo natural em que microrganismos decompõem a matéria orgânica na ausência de oxigênio, produzindo energia renovável. Esse fenômeno ocorre em ambientes como o sistema digestivo de ruminantes, pântanos e esgotos, mas também é aplicado em escala industrial em biodigestores.
A experiência da Ceasa-CE será apresentada como destaque no XV Workshop e Simpósio Latino-Americano de Digestão Anaeróbia (XV DAAL), que acontece de 14 a 17 de outubro em Fortaleza. O evento reunirá especialistas de todo o mundo para discutir aplicações da digestão anaeróbia em resíduos líquidos e sólidos, produção de biogás e biohidrogênio, recuperação de nutrientes e soluções em economia circular.
Organizado pela UFC e pela Embrapa, o fórum conta com apoio de instituições como CAPES, CNPq, FIEC, ABES, CIBiogás e diversas empresas do setor de saneamento e energias renováveis. A expectativa é reunir estudantes, pesquisadores, gestores, indústrias e órgãos públicos interessados em soluções sustentáveis para a gestão de resíduos.