Com informações da Agência Brasil
Mercado de carbono
O mercado de carbono tornou-se um pilar dos esforços internacionais para incentivar reduções dos gases de efeito estufa, sobretudo o CO2.
Contudo, um grupo de cientistas, ambientalistas e ativistas sociais vem questionando a supervalorização que as lideranças mundiais estão dando à precificação do carbono como solução para os problemas das mudanças climáticas e do aquecimento global.
O tema ganhou destaque com a 22ª edição da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP22), que está ocorrendo em Marrakesh, no Marrocos.
No Brasil, representantes de comunidades localizadas em regiões ricas em recursos naturais relatam sofrer com o assédio de empresas voltadas para atividades econômicas florestais.
Crítica à economia verde
A valoração do meio ambiente com mecanismos tradicionais de mercado foi tema de palestra recente promovida pela Fundação Heinrich Böll Brasil, no Rio de Janeiro. Os conferencistas defenderam que a lógica da economia verde, baseada na métrica do carbono, causa mais danos do que benefícios ao meio ambiente e aos cidadãos do planeta.
Coautor do livro Crítica à economia verde, o pesquisador alemão Thomas Fatheuer declarou no encontro que os métodos utilizados até o momento de redução de emissões não lograram frear a devastação das florestas nem a poluição. "E ainda estão impulsionando o uso de tecnologias arriscadas e prejudiciais, como a energia nuclear, sob a alegação de que emitem menos carbono. Um estudo recente aponta que mais de 60% da produção mundial de óleo de palma estão sendo queimados para servir de combustível, florestas sendo queimadas na Indonésia para diminuir as emissões na Europa", disse ele.
"Os caminhos para diminuir as emissões de CO2 estão sendo traçados pelo mercado e não pelos cidadãos. Essa é a grande falha da economia verde", afirmou Fatheuer. Uma das saídas para o problema, defendeu, é a abertura de espaços políticos para cidadãos evitarem violações e distorções ocasionadas pela ganância das empresas e a maior democratização das riquezas, para que a economia volte a servir ao ser humano, e não ao contrário.
Ciência como vértice do poder
A pesquisadora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro Camila Moreno, coautora do livro A Métrica do Carbono: Abstrações Globais e Epistemicídio Ecológico, ressaltou que, ao longo dos anos, foi construído um discurso que acabou por justificar e naturalizar a métrica do carbono no mundo.
"A métrica do carbono é uma ficção simplificadora e despolitizante. Nega as diferentes formas de saber que dão sentido à existência de povos e de culturas no mundo. A racionalidade científica isola as contradições nas várias partes do mundo, dos ecossistemas, das cadeias alimentares, das relações sociais e de poder, religiosas, isola tudo isso em um ambiente asséptico, criando unidade no mundo", declarou ela, ao defender que a ciência não é livre de ideologias.
"É possível no site da empresa aérea pagar um pouco mais para neutralizar a ida para a Europa. Não se questiona a sociedade do consumo, dos privilégios. Precisamos problematizar esse simplismo da teoria que enxerga a natureza como máquina. Sabemos como a ciência é produzida, financiada e controversa. A ciência é o vértice a partir do qual hoje se exerce o real poder na sociedade", completou.
Monoculturas
Outro aspecto negativo desse mercado, segundo os grupos críticos da economia verde, é a expansão das monoculturas. O agrônomo Luiz Zarref, da coordenação do Movimento dos Sem Terra (MST), lamentou a quantidade de terra ocupada por árvores de crescimento rápido, como o eucalipto geneticamente modificado, que acaba por destruir milhares de hectares de terra, devido à grande quantidade de água que retiram do solo.
De acordo com Zarref, os principais movimentos sociais do campo entendem que a agroecologia - agricultura a partir da perspectiva de um ecossistema sustentável - é a única possibilidade de reprodução do campesinato e de produção de alimento em larga escala: "Precisamos garantir a soberania alimentar, o que queremos produzir, onde e quando. Precisamos de reforma agrária e alimento saudável para as cidades".
O governo federal, porém, tem outro direcionamento.
O plantio de árvores exóticas, como o eucalipto, segundo o Ministério do Meio Ambiente, sequestra dióxido de carbono da atmosfera e fornece fonte de carvão vegetal renovável e neutro em carbono. O secretário de Mudanças Climáticas e Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente, Everton Lucero, informou que o governo quer incentivar essa atividade econômica no país.
"É um setor que valoriza os recursos naturais e a floresta e tem grande potencial de contribuição para atingirmos as metas de redução de carbono até 2025 e até 2030", disse ele. "As empresas que trabalham nessa área estão estruturadas com ciclo de cultivo longo e estruturam o plantio considerando as áreas de preservação, corredores ecológicos e a manutenção de vegetação nativa".
Na opinião do secretário, o modelo de desenvolvimento deve mudar, mas uma economia de baixo carbono só será alcançada no longo prazo. "Por isso, precisamos de uma estratégia que valorize os recursos ambientais e estimule a utilização de energias renováveis em substituição aos combustíveis fósseis", disse ele.
Projetos ruins
Para o secretário executivo do Observatório do Clima, Carlos Hittl, a métrica do carbono tem sido muito útil como indicador e diagnóstico do problema. "A gente analisa a concentração dos gases de efeito estufa na atmosfera a partir da métrica do carbono, assim como amostras de gelo na Antártica nos permitem percorrer a história de centenas de milhares de anos da concentração desses gases na massa de gelo. A métrica do carbono nos permite dizer que em pelo menos 4 milhões de anos nunca houve tanta concentração de carbono na atmosfera como hoje", lembrou.
"Os padrões de produção e consumo atuais precisam ser modificados. Infelizmente, não vamos mudar as bases do capitalismo com todos os seus efeitos perversos a tempo de solucionar o problema das mudanças climáticas. Temos seis anos e dois terços de chance de limitar o aquecimento global a 1,5º. Precisamos mudar drasticamente essa trajetória", afirmou Carlos Hittl, secretário executivo do Observatório do Clima, para quem a métrica do carbono tem sido muito útil como indicador e diagnóstico do problema.
O diretor executivo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), André Guimarães, também argumentou que o fato de haver projetos ruins não inviabiliza a ideia original da comercialização de créditos de carbono.
"Precisamos separar a forma do conteúdo. A forma realmente deve ser aprimorada, transparente, não deve ser um projeto imposto de cima para baixo", disse. "Precisamos combater o mau uso do dinheiro, a apropriação de direitos das populações tradicionais, mas preservar a floresta e o desenvolvimento sustentável custa dinheiro. Se a forma está errada, melhoremos a forma, mas não deixemos de investir," defendeu ele.
A presidente do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC), Suzana Kahn, ponderou que o mercado de carbono pode ser útil se não priorizar apenas a redução de carbono. "É interessante encarecer o processo produtivo que utilize carbono. Mas é preciso criar uma série de condicionantes, determinando os projetos elegíveis para entrar no mercado e mecanismos de controle eficazes", disse ela.
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