Alejandra Martins - BBC Mundo
Muitas aves voam centenas de quilômetros sem tocar a terra. E só conseguem isso porque conseguem dormir em pleno voo.
Mas como elas conseguem fazer isso?
Essa questão gerou dúvidas durante décadas até ser finalmente respondida por um cientista alemão e seus colegas após uma pesquisa nas ilhas Galápagos.
Niels Rattenborg, do Instituto Max Planck de Ornitologia na Baviera, Alemanha, coordenou a equipe que demonstrou pela primeira vez que as aves dormem quando voam e que isso ocorre por períodos muito breves.
Às vezes elas dormem com um hemisfério cerebral acordado e outras vezes dormem nos dois hemisférios. Mesmo assim conseguem manter o controle aerodinâmico.
Sebastián Cruz, um biólogo equatoriano especializado em aves marinhas, é coautor do estudo. Ele desempenhou um papel determinante na escolha da espécie que seria estudada: a fragata de Galápagos.
Por que fragatas?
As fragatas (fragata minor) "se alimentam exclusivamente no mar e realizam viagens de vários dias de duração sem parar, sempre voando", disse Sebastián Cruz à BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC.
A razão mais importante para a escolha é que "ao contrário de outras aves marinhas, as fragatas não conseguem descansar na superfície do mar, já que suas penas não são impermeáveis e podem absorver água".
Elas também são grandes o bastante para suportar o peso de um leitor de ondas cerebrais e um GPS.
As fragatas precisam percorrer grandes distâncias para se alimentar.
Cruz disse que elas tentam cobrir a maior área possível em busca de comida no mar, voando em um grande círculo para gastar a menor quantidade possível de energia.
Dessa forma, aproveitam correntes de ar e se beneficiam de sua morfologia peculiar: um corpo pequeno e asas muito grandes.
"Elas empregam uma estratégia de voo lenta, mas eficaz. Ganham altitude, centenas de metros, com correntes de ar ascendentes e depois se deslocam para a direção que querem planando de forma a ganhar distância e perder altitude."
Partes do cérebro
Os dispositivos mostraram que as fragatas conseguem dormir de maneiras diferentes, segundo Niels Rattenborg.
"Um jeito é chamado de sono de ondas lentas, porque o cérebro gera esse tipo de onda que pode ser detectada em um eletroencefalograma", explica.
Esse tipo de sono pode ocorrer em ambos os hemisférios cerebrais ou em apenas um. Quando ocorre em apenas um se chama sono uni-hemisférico. Nele, o olho oposto ao hemisfério cerebral permanece aberto.
Em um estudo anterior, Rattenborg já havia demonstrado que os patos que estão na parte mais externa de um grupo, expostos a perigos, dormem com um um olho aberto. Aqueles que estão no centro do grupo, mais seguros, dormem com os dois hemisférios de uma só vez.
O segundo tipo de sono que as aves podem ter é o sono de movimentos oculares rápidos, ou REM, de ondas mais curtas e rápidas.
Menos de cinco segundos
"Muitos pensavam que as aves dormiam só de forma uni-hemisférica", disse Rattenborg.
Mas os registros de ondas cerebrais mostraram que as fragatas também podem dormir com os dois hemisférios simultaneamente.
"Não sabemos extamente como o fazem. Talvez usem um mecanismo similar ao que lhes permite dormir quando estão paradas. No caso das fragatas, isso significa que conseguem dormir enquanto mantêm suas asas em posição de planar", disse o cientista alemão.
Ele disse ainda que foi uma surpresa descobrir que as aves também têm sono REM - embora esse estado dure em média só cinco segundos.
42 minutos de sono por dia
Somando todos os tipos de sono, as fragatas dormem em média 42 minutos por dia.
"Isso foi inesperado. Se conseguem realizar tantos tipos de sono ao voar, por que dormem tão pouco?", questiona Rattenborg.
"Neste momento realmente não temos ideias sólidas para explicar como as fragatas se adaptaram a funcionar com tão pouco sono, enquanto tantas outras espécies, de abelhas a humanos, sofrem dramaticamente as consequências da falta de sono."
O pesquisador destacou que uma pesquisa sobre os mecanismos de adaptação dessas aves pode também ajudar a entender o impacto da falta de sono em seres humanos.
"Baseando-se em nosso estudo do sono uni-hemisférico dos patos, Masako Tamaki e seus colegas (da Brown University dos Estados Unidos) publicaram um trabalho explicando que quando as pessoas estão em um ambiente novo, o hemisfério esquerdo dorme de forma menos profunda e responde mais a sons que o hemisfério direito, somente na primeira noite", diz.
"Isso sugere que, como os patos, os seres humanos têm a capacidade de acordar ao menos parcialmente a metade de seu cérebro em resposta a circunstâncias potencialmente arriscadas."
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