Ilustração mostra módulo Schiaparelli

Essa última quarta feira (19) foi cheia de emoções conflitantes, boas notícias por um lado, más noticias pelo outro. O espaço esteve bastante agitado.

As más notícias
A Agência Espacial Europeia (ESA) havia programado dois eventos para o dia 19: a manobra de inserção orbital da sonda Orbitador de Gás Traço (TGO em inglês) e o pouso da estação Schiaparelli.

As duas naves viajaram juntas e, dias antes do pouso, elas se separaram para cada uma seguir o seu destino. A Schiaparelli é basicamente uma estação meteorológica para estudar as condições de temperatura, pressão, umidade, ventos, transparência da atmosfera e até correntes elétricas sobre a superfície de Marte. Tudo isso em preparação para uma missão mais ousada programada para 2020, quando a ESA deve pousar em Marte um jipe marciano com vários experimentos, inclusive de cunho biológico.

Bom, na verdade a Schiaparelli ERA uma estação meteorológica. Tudo indica que ela não sobreviveu ao processo de pouso. Também com vistas à missão de 2020, a ESA usou a Schiaparelli para testar os procedimentos e novas tecnologias para pousar desde a órbita marciana.

O procedimento tinha várias etapas. Tudo começa com a entrada na atmosfera em si, a uma altura de 121 km e velocidade de 21.000 km/h. Com um escudo térmico servindo tanto para blindagem quanto para frear, a nave deveria descer até 11 km de altitude e, a uma velocidade de 1.700 km/h, o paraquedas seria acionado. Quatro minutos depois, a uma altitude de 7 km, o escudo seria ejetado. Com 5 minutos e 22 segundos de descida, o paraquedas seria descartado e, um segundo depois, a uma altura de 1.100 metros, os retrofoguetes iriam ser acionados até que a sonda atingisse 2 m, reduzindo a velocidade de 250 km/h para apenas 4 km/h. A essa altura, os foguetes seriam desligados e a nave cairia livremente e um tipo de parachoques projetado especialmente iria amortecer a queda.

Ilustração mostra módulo Schiaparelli com paraquedas aberto; Agência Espacial Europeia (ESA) ainda não sabe se módulo sobreviveu a pouso em Marte


Enquanto a Schiaparelli ia avançando em sua descida, ela mandava dados de telemetria que eram captados por uma antena na Índia, mas também pela própria TGO que estava executando suas manobras para ser capturada pela gravidade de Marte. Tudo parecia correr como previsto: a entrada na atmosfera se deu no ponto correto e o escudo térmico fez o seu papel. Parece que aí começaram os problemas. De acordo com a telemetria enviada, parece que os paraquedas foram acionados muito antes do previsto, ou seja, a nave estava muito alta e muito rápida. Assim como foram acionados antes do tempo, foram descartados antes do tempo e os retrofoguetes começaram a funcionar. Como tudo isso aconteceu antes do previsto, nem paraquedas e nem retrofoguetes reduziram a velocidade como precisavam. Talvez nem dessem conta do recado e, para piorar, os foguetes se desligaram mais rápido do que deveriam. Depois disso, a Schiaparelli ainda mandou sinais por 19 segundos, até parar abruptamente, 50 segundos antes do planejado.

Até que silenciasse, a sonda conseguiu mandar 600 MB de dados para a TGO, que depois de executar suas manobras, retransmitiu tudo para a Terra. Esse volume de dados contém informações de todos os instrumentos a bordo, de modo que os técnicos da missão vão ter um panorama muito bom da situação. Aliás, esses detalhes sobre o funcionamento dos paraquedas e retrofoguetes vêm de análises preliminares que vazaram para os repórteres que acompanhavam o pouso no centro de controle na Alemanha. Nenhuma palavra oficial foi dada ainda, mas ao que parece a Schiaparelli despencou de uma altura muito maior do que seu sistema de amortecimento seria capaz de suportar. Eu e todo mundo estamos aguardando a ESA se pronunciar, mas pelo visto teremos mais uma cratera com o nome Schiaparelli em Marte.

Outras notícias ruins vieram da sonda Juno, que no dia 19 deveria fazer mais um perijove, a máxima aproximação a Júpiter. Bom, ela fez, isso não mudou. O que mudou foi que horas antes ela sofreu uma pane em seu software interno e entrou em modo de segurança. Nesse modo, seus painéis são voltados para o Sol para garantir plena carga para as baterias, seus instrumentos são todos desligados e seu computador de bordo sofre um reboot. Apenas dados de telemetria são mandados para a Terra e eles mostraram que tudo ocorreu sem maiores problemas. Neste instante a nave está realizando um auto diagnóstico para encontrar os motivos da pane e seus instrumentos continuam desligados. Como consequência, a Juno perdeu a melhor parte de sua órbita, que é quando faz um rasante nas nuvens de Júpiter.

Sonda Juno aproxima-se de Jupiter, em ilustração

O mais preocupante nem foi esse evento, mas outro ocorrido antes, nesse último final de semana. A Juno encontra-se ainda na sua órbita longa, em que ela leva 53 dias para completar uma volta e justo quando iria começar os procedimentos para entrar na sua órbita definitiva, bem mais baixa, duas válvulas apresentaram um comportamento anômalo, levando mais tempo para se fechar do que deveriam. Esse é o problema para se preocupar. Reboots não são raros em naves espaciais e podem ser causados por vários motivos, mas duas válvulas do sistema de propulsão que demoram muito para fechar pode comprometer a missão toda. Por enquanto os técnicos da Juno ainda não encontraram o motivo desse comportamento e não devem mexer com elas até que saibam a origem do problema. Até que isso aconteça, a Juno permanece na sua órbita mais longa e, se tudo correr como previsto, seus instrumentos devem ser religados em breve.

As boas notícias
Apesar do grande interesse pela Schiaparelli, a TGO é a parte principal da missão. Ela deve estudar a emissão de gases traço na superfície marciana. Gases traço se referem àqueles gases que são componentes menores de uma amostra, muito menos de 0,001%. Eles levam esse nome por que numa análise da composição química ampla, eles nem aparecem na conta e simplesmente levam um traço na coluna em que deveria haver sua quantidade.

Os traços na atmosfera marciana vêm do metano, vapor d'água, dióxido de nitrogênio e acetileno. Desses todos, o interesse maior é pelo metano.

A TGO deve procurar metano, estudando suas características físicas e também sua prevalência. Em Marte, metano pode ser criado por dois processos: geológico ou biológico. Claro, o maior interesse é pelo biológico e, analisando-se o peso molecular do gás, é possível distinguir que isótopo de carbono entrou na formação dele. Os processos geológico produzem metano com todos os tipos de carbono, os biológicos preferem o carbono com peso atômico 12. Detectar metano com altas concentrações de carbono 12 praticamente fecha a questão.

Essa parte da missão foi muito bem sucedida, a TGO realizou suas manobras de forma precisa e após contornar Marte e perder contato com a Terra como previsto, voltou a se comunicar, inclusive enviando os dados da Schiaparelli. Os pesquisadores da missão se dizem satisfeitos com o andamento das coisas, apesar do percalço do pouso. O principal da missão, que é identificar o locais onde há emanação de metano, será executado pela TGO e depois, em 2020, o jipe europeu deve descer perto de um deles.

A parte do pouso era um teste da tecnologia desenvolvida pela ESA em colaboração com a agência espacial russa, a Roskosmos. Mesmo que o pouso não tenha sido bem sucedido, os 600 MB de dados vão ajudar a explicar o que deu de errado e como evitar que se repita daqui a 4 anos.

A outra boa notícia da semana é que o espaço sideral ganhou mais três astronautas na Estação Espacial Internacional e 2 taikonautas, como preferem ser chamados os astronautas chineses. Os taikonautas estão a bordo da estação espacial chinesa Tiangong 2 para um período de um mês como preparação para a missão de pouso na Lua que a agência espacial chinesa planeja para os próximos anos.

Bom, vamos aguardar por notícias melhores daqui para a frente e ver o que o pessoal da ESA vai dizer quando os dados forem finalmente analisados.

Ilustrações: ESA e Nasa