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quinta-feira, 6 de agosto de 2015

A incrível história de como o Brasil torrou R$ 500 milhões para lançar foguetes que nunca existiram

Por: Rodrigo Brancatelli


O Centro de Lançamento de Alcântara, área de testes da Força Aérea Brasileira em um acanhado município de 20.000 habitantes na região metropolitana de São Luís, no Maranhão, ficou tragicamente conhecida após o acidente de 22 de agosto de 2003, quando um veículo lançador de satélites explodiu por volta das 13h30, três dias antes de seu lançamento, matando 21 cientistas.
Nos últimos anos, o local voltou a viver o otimismo do programa espacial brasileiro, com gente de toda a região indo e voltando de caminhão para trabalhar em um projeto em conjunto com a Ucrânia. Tratava-se do programa Alcântara Cyclone Space, um ambicioso plano dos governos brasileiro e ucraniano para erguer uma nova base e explorar serviços de lançamento de satélites no município. Contratos foram firmados, construtoras escolhidas, mais de 500 milhões de reais investidos, prazos acertados, armações construídas e... e... nada. Na semana passada, o Brasil formalizou o fim do acordo com a Ucrânia e um prejuízo de R$ 1 bilhão para os dois governos.
Foram quase duas décadas de projetos e planos mirabolantes apenas para confirmar a nossa já clássica inaptidão para projetos estratégicos.
É preciso lembrar das aulas de geografia, física e história para entender o que aconteceu em Alcântara, município localizado a 2018’S de latitude, perto da linha do Equador. Essa posição privilegiada permite o uso máximo da rotação da Terra para impulsionar lançamentos em órbitas equatoriais, uma vez que a velocidade de rotação da Terra ali é maior do que em qualquer outra parte.
Isso faz com que os foguetes que carregam os satélites ganhem um impulso extra, economizando combustível. Segundo a NASA, seria possível uma economia de 30% em relação à Europa e de 6% em relação aos lançamentos feitos na americana Cabo Canaveral, na Flórida, a mais conhecida base de lançamentos do mundo.
Assim, desde que os primeiros esboços de um possível programa espacial brasileiro surgiram, em 1960, quando o presidente Jânio Quadros instituiu uma comissão que daria origem ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Alcântara sempre esteve envolta em planos e em muitos sonhos. Em 1997, após duas décadas de estudos para a construção de um foguete nacional, foi testado o primeiro protótipo do Veículo Lançador de Satélites (VLS-1). Explodiu segundos após a decolagem. Em 1999, outro teste e outra explosão. Na terceira tentativa, em 2003, a ignição prematura do foguete acabou causando a explosão da torre, matando todos que trabalhavam ali.
Segundo o relatório final da investigação concluído pela Aeronáutica em fevereiro de 2004, houve um “acionamento intempestivo” de um dos quatro motores do VLS, provocado por uma pequena peça que ligava o motor. Mas não se sabe por que esse detonador disparou, embora duas hipóteses tenham sido levantadas na época: corrente elétrica ou descarga eletrostática, e a transferência de energia por contato entre dois corpos.
Com a repercussão internacional do caso, o governo teve outra ideia para aproveitar a base de Alcântara sem correr tantos riscos: um acordo com a Ucrânia para explorar o mercado comercial de lançamento de satélites utilizando um foguete desenvolvido naquele país, o Cyclone-4. Uma empresa pública binacional de capital brasileiro e ucraniano, a Alcântara Cyclone Space (ACS) foi constituída em 31 de agosto de 2006. Enquanto os ucranianos montavam o foguete, o Brasil construía um novo centro de lançamento para a iniciativa.
A ideia era capitalizar “vagas” no foguete para quem quisesse lançar satélites ao espaço, fossem companhias particulares ou governos estrangeiros. Boas intenções não faltavam. Os cientistas brasileiros teriam acesso à tecnologia da Ucrânia, enquanto o estado do Maranhão ganharia empregos, escolas, hospitais e universidades em Alcântara.
Mas começa ai uma espiral de prazos e novos aportes financeiros, sem resultados práticos. Segundo a Agência Espacial Brasileira, o investimento inicial para a criação da binacional era de 487 milhões de dólares, divididos entre os dois países. Em agosto deste ano, no entanto, o governo federal autorizou a transferência de mais 33,33 milhões de reais, com a promessa de chegar a 1 bilhão de dólares em investimento conjuntos.
A expectativa era que os seis primeiros lançamentos comerciais ocorressem em 2011. Chegou 2011 e nada. O prazo passou para 2012. Nada. 2013 então? Nada novamente. Hoje, a tal base se resume a um conjunto de esqueletos de ferro, vergalhões de aço, estacas de madeira e alicerces de concreto. Apenas a terraplanagem foi concluída.
A viabilidade do projeto já era questionada há anos, mas mesmo assim o governo torrou meio bilhão de reais no projeto. E agora? Bem, nesta semana, a França e a Rússia propuseram ao governo brasileiro parcerias para o lançamento de foguetes na Base de Alcântara. Moscou promete criar um complexo de lançamento de foguetes para substituir o acordo que existia entre Brasília e Kiev desde 2004. 
Alguém quer chutar qual vai ser o resultado disso?
* Com informações originalmente publicadas na INFO Exame, edição 336

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