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domingo, 16 de agosto de 2015

Gambá amigo

Por: Brendan Borrell 

    

Pequeno mamífero beneficia fazendas e biodiversidade

                                                                                     
                                                                                       

Ao se alimentar de uma praga da soja, o pequeno gambá cuíca-graciosa (Gracilinanus agilis), mostra como preservar a paisagem do cerrado brasileiro beneficiando fazendas e biodiversidade.

André Mendonça abre a portinhola com mola de uma armadilha do tamanho de uma caixa de sapatos e espia lá dentro.

Dois olhos negros esbugalhados e brilhantes se fixam diretamente nele.

Mendonça tira a armadilha do galho da árvore e joga a criatura atordoada, completamente encharcada (molhada), em um saco plástico transparente. “Mais um!” comemora, animado.

A cuíca-graciosa, também chamada catita ou guaiquica, tem um nariz longo e pontudo, adoráveis orelhas cor-de-rosa e pernas delgadas desprovidas de pelos.

Mendonça, um pesquisador de pós-doutorado na Universidade de Brasília, pesa e mede o animal, fura suas orelhas e coloca dois “brincos de identificação” de metal. Em seguida, solta o gambá e observa como o animal escala uma árvore.

O palco de todo esse pequeno drama é o Jardim Botânico de Brasília, a poucos quilômetros do centro da capital nacional.

O pesquisador salienta que, preservar a paisagem do cerrado brasileiro não é apenas bom para a biodiversidade, mas também para fazendas e fazendeiros vizinhos.

Recentemente, cientistas descobriram que essa pequena espécie de gambá gosta de se banquetear em uma praga da soja local.

“Se fazendeiros mantiverem uma área natural [arborizada] perto de suas plantações de soja, onde esses animais possam viver, talvez não tenham de utilizar tantos pesticidas”, argumenta Mendonça.

Essa pequena lição de história natural é apenas uma das muitas que saem do Programa de Pesquisas Ecológicas de Longa Duração (PELD), que está apoiando nove projetos em todo o país; inclusive dois no bioma do cerrado.

Esse projeto em particular começou em 2009 e é comandado pelo supervisor de Mendonça, Emerson Vieira, especialista em mamíferos, que examina como populações de pequenos mamíferos na região do cerrado respondem a fatores como disponibilidade de alimentos e incêndios florestais.

O cerrado abriga 92 espécies de pequenos mamíferos, o que o torna mais rico e diversificado que as savanas tropicais da África ou da Austrália.

A região é conhecida principalmente por seus descampados e “savanas”.

Mas a graciosa e arborícola catita vive em um habitat florestal, conhecido como cerradão, que responde por apenas 1% do bioma do cerrado.

Embora as quantidades de carbono armazenadas nessas matas empalideçam em comparação com as absorvidas pela floresta Amazônica, elas são um “hotspot” de carbono crítico no cerrado brasileiro.

Em setembro de 2011, um incêndio florestal grassou pelo jardim botânico, incinerando áreas de cerradão, intocadas há 40 anos.

Ao contrário de pequenos mamíferos de terras verdejantes rasteiras (pastagens, ou savanas), que se recuperam de uma queimada brutal em um ano, os pequenos gambás foram devastados.

Seus números despencaram de cerca de 5 exemplares por hectare para zero em 2013.

Eles ainda têm de se recompor, informam Vieira e Mendonça em um estudo aceito para publicação pelo periódico científico Journal of Mammalogy.

De acordo com Vieira, o impacto de incêndios florestais na vida selvagem do cerrado está aumentando à medida que a região resseca devido ao desmatamento ao longo de seus córregos e rios, e à conversão das terras para monoculturas agrícolas.

Vieira testemunhou essa transformação em primeira mão ao longo dos últimos 25 anos de capturas de pequenos mamíferos no Brasil central.

“Você ainda encontra as mesmas espécies, mas elas não são mais tão comuns”, lamentou.

No passado, sua equipe capturava 7 ou 8 animais por cada cem armadilhas que distribuíam pela paisagem. Hoje, pegam no máximo de 4 ou 5 por 100 armadilhas.

Outras pressões também aumentam.

Mesmo essa reserva ecológica protegida, o pedaço mais bem estudado do cerrado no Brasil, está ameaçado por uma proposta rodovia e pela construção de alguns conjuntos habitacionais.

Vieira e Mendonça esperam que seus dados possam ajudar a salvar o gambá cuíca-graciosa, juntamente com as áreas florestais ameaçadas do cerradão.

Em 2013, a equipe descobriu que a espécie, um dos menores marsupiais do mundo, com comprimento total entre 20 e 25 centímetros, dos quais mais da metade é representada pela cauda, tem uma predileção especial pelo percevejo-marrom-da-soja (Euschistus heros).

Essa praga responde por até 30% dos danos a essa cultura na região durante a estação da seca.

Os pesquisadores encontraram resquícios desses insetos em mais de 50% das amostras de fezes de gambás que examinaram, de acordo com o estudo que publicaram no periódico científico Acta Theriologica.

“O inseto vem para o cerradão [floresta] quando ainda não é época de soja e é aí que os gambás os consomem”, explicou Vieira.

Agora, ele e Mendonça estão planejando estudos mais focados para determinar a eficácia com que os gambás controlam as pragas.

Se os resultados continuarem sendo positivos, isso poderia ser mais uma boa razão para fazendeiros, agroeconomistas e outros quererem preservar a espécie e seu habitat no Brasil central.

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