Agência americana divulga avanços na geração de energia limpa
Por David Biello
FOLHA ARTIFICIAL: a Sun
Catalytix esperava transformar seu sistema de luz solar e
dissociação de
moléculas de água em uma fonte de energia domiciliar barata com ajuda da
ARPA–E.
A barragem Hoover foi
fruto dos frenéticos esforços para combater os efeitos da Grande Depressão.
Da mesma forma, os
gigantescos campos de espelhos concentradores de calor no deserto da
Califórnia, conhecidos como Ivanpah Solar Power Facility (Instalação Ivanpah de
Energia Solar), podem vir a representar o enorme empenho para impedir que a
Grande Recessão se transforme em plena depressão.
“Em recessões passadas,
conseguimos concretizar grandes projetos”, lembrou Michael Splinter,
presidente-executivo da Applied Materials, na exposição inaugural “ARPA-E
Energy Innovation Summit”* da Agência de
Projetos de Pesquisa Avançada para a Energia (ARPA-E), em 2010.
“Precisamos de uma
barragem Hoover de energia solar; ou talvez apenas cerquemos a hidrelétrica com
[painéis] solares? Para o que apontaremos daqui a 30 anos, dizendo ‘Isso
resultou da Grande Recessão de 2009?’”, arrematou.
Talvez o legado dessa
recessão seja algo fisicamente um pouco menos imponente.
Quem sabe, sua herança
seja a própria ARPA-E, a única agência a brotar do esforço de estímulo de 2009,
mesmo que a incipiente organização ainda tenha de financiar a invenção de uma
tecnologia tão globalmente transformadora como a internet.
A ARPA-E nasceu em 2009,
com um modesto orçamento de US$ 400 milhões — cerca de um terço do que sua
antecessora intelectual, a Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa
(DARPA), recebeu ao ser criada, em 1958.
Com ambições de instigar
uma segunda revolução industrial, a agência recebeu propostas para cerca de
3.700 possíveis tecnologias energéticas transformadoras do mundo e desembolsou
US$ 151 milhões para subsidiar 37 delas — desde transformar água e CO2 em
combustível com nada além de luz solar até baterias melhores.
A maior fatia isolada à
época, US$ 9,1 milhões, foi destinada à empresa Foro Energy para ajudá-la a
desenvolver sistemas de perfuração a laser que poderiam baratear o
aproveitamento do calor da Terra para gerar energia elétrica.
Os escritórios da ARPA-E
dentro do Departamento de Energia dos Estados Unidos (DoE) pretendem lembrar
mais uma engenhosa start-up do Vale do Silício que uma parte de uma burocracia
esclerosada, encarregada principalmente de cuidar de armas nucleares e de seu
legado.
Funcionários da ARPA-E,
inclusive seus diretores, ocupam seus cargos por apenas três anos.
Esse curto período de
tempo visa a inspirar e transmitir a “cruel urgência do agora”, uma citação de
Martin Luther King, Jr. que se encontra pendurada na parede do QG do DoE, um
edifício de blocos de concreto sobre estacas concretadas, com uma infinidade de
pequenas janelas quadradas enfileiradas.
O plano era ser uma
agência do governo destemida de riscos; uma burocracia sem burocratas.
“Queríamos ser avaliados
por nossa maluquice”, Arun Majumdar, o primeiro diretor da ARPA-E me
confidenciou em 2013 depois de sair da agência. “Ainda é cedo e você quer criar
uma reputação alicerçada em sólidas bases tecnológicas que são arriscadas, mas
não malucas”, completou.
Mesmo em 2010, na exposição
inaugural da ARPA-E, a questão era se algumas das inovações sugeridas realmente
eram revolucionárias. À época, Majumdar salientou que “trabalhar como de
costume e o ritmo de inovação simplesmente não são suficientemente rápidos”.
O “mandarim” da indústria
de defesa Norman Augustine, por exemplo, ex-presidente e CEO da Lockheed Martin
e um mestre em velocidades de escape, sentiu que a agência representava um
ponto de inflexão.
Augustine presidiu
inúmeros relatórios governamentais, inclusive o que originou a ARPA-E, e pode
ter julgado que a nova agência significava uma mudança de velhos para novos
conceitos; mas a maioria dos 37 projetos iniciais envolvia ideias que já
circulavam há anos, como transformar algas em combustível ou usar fibra de
carbono para melhorar a eficiência do combustível em carros.
Graças à ARPA-E, essas
propostas estavam sendo desenterradas, revigoradas e refinanciadas, talvez em
razão do entusiasmo por projetos de estímulo imediatistas, do tipo
“mãos-a-obra”.
Cinco dos 37 primeiros
projetos financiados visavam desenvolver um jeito mais barato para capturar o
CO2 lançado na atmosfera pelas centenas de usinas de energia movidas a carvão
do país.
Mas, insatisfeito com tão
poucos projetos para uma tecnologia tão crítica, Majumdar criou todo um
programa, batizado Materiais e Processos Inovadores para Tecnologias Avançadas
de Captura de Carbono (Innovative Materials and Processes for Advanced Carbon
Capture Technologies, ou IMPACCT) para acrescentar outras 15 propostas
destinadas a reduzir o custo dessa captura de CO2.
“Precisamos desenvolver
tecnologias para utilizar combustíveis fósseis de forma limpa”, o então
secretário de Energia Steven Chu me disse em 2010.
Mas, até agora, nenhuma
atingiu essa meta — ainda.
Outros candidatos a “home
runs”, para usar a metáfora de beisebol favorita de Majumdar e Chu, incluíram a
tentativa da Sun Catalytix de fornecer energia domiciliar utilizando apenas luz
solar, química e água; o esforço de desenvolver uma bateria gigante de metais
líquidos inspirada no processo altamente energético de produzir alumínio a
partir de bauxita e que acabaria dano origem à empresa Ambri; e uma técnica
melhor para produzir células solares ao utilizar silício semilíquido, como
massa de panqueca, para fazer wafers (bolachas) em vez de cortar os grandes
lingotes em fatias.
Essa inovação veio de uma
empresa chamada 1366, em homenagem à quantidade de luz solar em watts que
atinge cada metro quadrado do planeta.
A ARPA-E não dispõe do
orçamento necessário para lidar com algo tão amplo como a rede de transmissão
elétrica, nem tão caro como construir um novo tipo de reator nuclear.
As tecnologias mais
promissoras que financiou incluem baterias para armazenar a energia gerada por
ventos noturnos e células fotovoltaicas aprimoradas para transformar luz solar
em eletricidade.
Em apenas seis anos, a
agência também criou uma nova comunidade de pesquisa focada em utilizar
microrganismos para transformar CO2, o principal gás de efeito de estufa
responsável por mudanças climáticas, em combustível, embora esses
eletrocombustíveis continuem muito distantes da vida fora do laboratório de
ciências.
Até 2011, o investimento
da ARPA-E em invenções para o futuro da energia tinha se diversificado para 121
projetos em sete áreas críticas, com siglas sugestivas como a das Baterias para
Armazenamento de Energia Elétrica nos Transportes, ou BEEST (uma brincadeira
com a palavra “beast”, ou “besta, fera”, em inglês).
“Assim como vocês têm
Intel dentro de seus laptops, espero que tenham BEESTs dentro de seus carros
elétricos no futuro”, Majumdar declarou perante o público na segunda exposição
de novidades da agência.
“Como conquistaremos o
futuro? Inventando tecnologia limpa a preços acessíveis”, resumiu.
Projetos da ARPA-E estão
repletos de siglas e nomes de programas inspirados no jogo “Out-There” de
exploração espacial, gestão de recursos e ficção interativa, como electrofuels
(eletrocombustíveis) ou REBELS (sigla de Reliable Electricity Based on
ELectrochemical Systems, ou Eletricidade Confiável Baseada em Sistemas
Eletroquímicos).
O próprio Majumdar ajudou
a “bolar” a sigla PETRO, ou Plants Engineered to Replace Oil (Plantas
Projetadas para Substituir Petróleo), em meio a uma enxurrada de e-mails
durante um fim de semana.
Mas a agência não tem um
programa direto de etanol; e o senador Lamar Alexander do Tennessee (R), um dos
“pais políticos” da ARPA-E, aproveitou o palco da exposição de 2011 para exigir
a abolição dos eternos e infindáveis subsídios para etanol de milho e outras
fontes de energia “maduras” como carvão, gás e petróleo.
Em 2011, Majumdar e Chu
aplaudiram os mais de US$ 200 milhões em financiamentos privados que se
seguiram ao investimento da ARPA-E em algumas dessas tecnologias, como as
baterias da Ambri ou a técnica para produzir wafers da 1366.
Naquele ano, o
Departamento da Defesa também se tornou um cliente importante, se não o maior,
de algumas dessas inovações energéticas.
“Mudar o modo como
produzimos e utilizamos energia significa, fundamentalmente, melhorar a segurança
nacional deste país”, resumiu Ray Mabus, secretário da Marinha em 2011,
apontando para o histórico de mudanças na própria Marinha americana: de vento
para carvão no século 19, e de carvão para petróleo, suplementado por energia
nuclear, ao longo do século 20.
“Estou confiante que,
assim como estamos liderando novamente o modo como acionamos nossos navios e
aviões, a história provará que os pessimistas, que argumentam ‘isso é muito
caro, a tecnologia [ainda] não existe’, estão equivocados mais uma vez”,
concluiu Mabus.
É mais provável que
qualquer progresso futuro seja medido em moléculas de CO2 não lançadas na
atmosfera e barris de petróleo não importados, mas talvez leve até 20 anos para
que isso fique claro.
A DARPA levou 10 anos
para criar as bases do que viria a ser a internet e, depois disso, demorou
várias décadas para que a rede (Web) conquistasse o mundo.
Na falta de uma
tecnologia energética equivalente à internet, a ARPA-E teve de se concentrar em
algumas apostas garantidamente bem-sucedidas em curto prazo, como aproveitar o
fluxo de gás natural barato liberado no processo de fraturamento hidráulico, ou
fracking.
Majumdar já matutava um
jeito de resolver problemas com gás natural em 2011.
Na exposição, ou “cúpula”,
daquele ano, Ernest Moniz, o físico que sucederia Steven Chu como secretário de
Energia advertiu: “Precisamos que isso seja uma ponte para algum lugar, em vez
de uma ponte para lugar algum”. E acrescentou: “Algum lugar é zero carbono, o
que significaria carvão e gás natural com captura e armazenamento de carbono, e
energias renováveis”.
Baterias melhoradas, uma
constante nos financiamentos da ARPA-E, também fazem parte do leque de
inovações — e são foco do mais estrondoso fracasso da agência: Envia, uma das
37 empresas subvencionadas inicialmente.
Na “cúpula” de 2012,
Majumdar e outros elogiaram a start-up, fundada em uma biblioteca pública em
Palo Alto, na Califórnia, por alcançar densidades energéticas de 400 watt-hora
por quilo; resultados que foram verificados de forma independente pelo Centro
Naval de Guerra de Superfície, em Crane, Indiana.
A empresa chegou a
assinar assinou um contrato com a General Motors Corporation para ajudar a
acionar o Chevy Volt ou outro carro elétrico, mas acabou não conseguindo fazer
o fornecimento.
Na mesma linha
mal-sucedida, a Sun Catalytix teve que mudar o foco de sua folha artificial
para baterias de fluxo a fim de sobreviver, e várias das outras técnicas
aspirantes para captura de CO2 também foram água abaixo.
“Eu não as chamo
fracassos, chamo-as oportunidades para aprender”, Majumdar me disse em 2012.
Elon Musk, da Tesla, por
outro lado, usou o palco da exposição ARPA-E de 2013 para prenunciar o
reembolso do empréstimo federal de sua empresa, com 9 anos de antecedência e
juros.
“O empréstimo do DoE à
Tesla deveria ser visto como um sucesso bastante significativo”, salientou Musk
e acrescentou: “Pelo amor de Deus, se as pessoas vão atacar o DoE por causa [do
escândalo da falida fabricante de painéis solares] Solyndra, então o DoE também
deveria receber elogios por seus sucessos”.
O conceito de bateria de
metal líquido transformou-se em uma companhia conhecida como Ambri, que agora
produz baterias comerciais em sua nova fábrica em Massachusetts, onde a 1366
também construiu uma instalação industrial.
Enquanto isso, a Google
ganhou uma licitação para construir “pipas” de fibra de carbono, na realidade
trata-se de turbinas eólicas voadoras, conhecidas como Makani Power em
homenagem à palavra havaiana para vento. Esses aparelhos foram projetados para
colher a energia produzida pelos ventos constantes da estratosfera terrestre.
Ainda assim, as atuais
ambições da ARPA-E parecem ter encolhido, do financiamento de
eletrocombustíveis para aparelhos de ar condicionado e janelas mais eficientes.
“Uma melhoria de 50% na
quantidade de combustível necessária para fazer funcionar um ar condicionado é
um belo avanço, mas ele não é atraente”, admitiu Cheryl Martin, segunda
diretora da agência, em 2013. “Quando você demonstra que isso é possível, o
mundo muda”.
Essas vitórias
discutivelmente “pouco atraentes” talvez sirvam para salvaguardar os atuais
cerca de US$ 300 milhões/ano em financiamentos da ARPA-E, que já são uma
aberração em comparação ao US$ 1 bilhão/ano recomendado pelos fundadores
intelectuais da agência ou, mais recentemente, pelos pesos-pesados corporativos
do American Energy Innovation Council, que inclui Norman Augustine.
Em síntese, a ARPA-E
investiu um total de aproximadamente US$ 1,1 bilhão em mais de 400 projetos.
Mas até sustentar esse
nível de apoio financeiro parece um desafio.
“Escolhas difíceis terão
de ser feitas sobre que tipos de investimentos em energia proporcionam o melhor
retorno com o impacto mais abrangente”, anunciou o deputado federal Randy Weber
na mais recente exposição da ARPA-E.
O republicano do sudeste
do Texas também é o presidente da Subcomissão de Energia da Comissão de
Ciência, Espaço e Tecnologia da Câmara dos Deputados americana.
A visão de um futuro de
energia limpa é pouco melhor que uma miragem sem os recursos para investir
nela. Sem suporte sustentado para inovações, quando ocorrer o próximo “choque
de petróleo”, os Estados Unidos estarão despreparados para lidar com ele — de
novo.
“Toda vez que o preço do
petróleo sobe entramos em pânico, e quando ele cai apertarmos o botão
‘relaxar’”, criticou Steven Chu em 2011. “Vamos adotar uma abordagem mais
comedida, de mais longo prazo”, recomendou.
A ARPA-E ainda não teve
tempo suficiente para ser considerada um sucesso ou um fracasso, embora alguns
já estejam dispostos a fazer esse julgamento.
Um deles é Fred Smith, o
CEO da FedEx que, no evento de 2012 declarou sucintamente: “Libra por libra,
dólar por dólar, é difícil encontrar uma coisa mais eficaz que o governo tenha
feito que a ARPA-E”.
Mas, nem as coisas nem o
mundo mudaram.
O consumo global de
petróleo supera 90 milhões de barris por dia e a civilização queima mais de
sete bilhões de toneladas de carvão por ano — os dois números cresceram no
curto período de existência da ARPA-E.
Como resultado, quase 40
bilhões de toneladas de CO2 são lançadas anualmente no ar e sua concentração
atmosférica atingiu níveis jamais vistos em toda a existência de nossa espécie:
400 partes por milhão.
Nos Estados Unidos, a
segurança energética foi garantida pelo faturamento hidráulico para extração de
petróleo e gás natural na América do Norte, assim como por medidas de
eficiência obrigatórias para carros e caminhões, destinadas a reduzir a queima
de combustível por quilômetro rodado.
Ainda assim, os empregos
na indústria continuam diminuindo no país, embora a economia em geral tenha
dado sinais de recuperação da pior parte da Grande Recessão.
O arco de uma transição
energética pode ser longo, mas ele se inclina em direção da energia limpa.
Em 2014, a Agência
Internacional de Energia (IEA) observou que, pela primeira vez em 40 anos, a
poluição do setor energético não aumentou, mesmo enquanto a economia crescia.
Essa estabilização se
deve principalmente ao fato de a China estar queimando menos carvão. E, embora
a Índia espere intensificar o seu consumo dessa matéria-prima, a ARPA-E talvez
possa até ajudar a evitar isso.
“Quem sabe, deveríamos
realizar a exposição da ARPA-E na Índia?”, ponderou Ernest Moniz, o secretário
de Energia americano no evento da agência, em fevereiro deste ano.
“Uma exposição como essa
na Índia seria inundada [de gente]”, previu Ratan Tata, presidente do Grupo
Tata e empresário bilionário indiano que vende de tudo, de caminhões a chá. “As
pessoas estão famintas de ideias novas e elas não existem na Índia”,
sintetizou.
“Talvez tenhamos aí uma
abertura para agir”, observou Moniz. “Acredito que isso realmente poderia ter
um impacto”.
Essa também é a esperança
da nova diretora da ARPA-E, a química Ellen Williams, anteriormente da
University of Maryland e da gigante do petróleo British Petroleum (BP). Sua
meta é expandir o impacto da ARPA-E, seja aprimorando a eficiência do motor de
combustão interna, uma bateria mais barata que está sendo desenvolvida em uma
garagem no Harlem, ou algo mais estranho ainda.
Cheryl Martin, a diretora
anterior da agência, tem uma escala de impacto diferente.
“Em 2060, outra pessoa
dirá se fomos um sucesso”, ela me disse em 2013. O sucesso pode demorar a vir,
mas se vier será como um futuro de energia limpa que a ARPA-E ajudou a
inventar.
*A exposição ou “cúpula”
“ARPA-E Energy Innovation Summit” reúne as mentes mais brilhantes das áreas
empresarial, acadêmica e governamental para promover tecnologias de ponta que
poderiam, fundamentalmente, mudar o modo como geramos, utilizamos e armazenamos
energia.
Publicado em Scientific
American
Nenhum comentário:
Postar um comentário