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sábado, 18 de julho de 2015

É preciso parar com a queima de combustíveis fósseis



Pesquisadores têm de ajudar a convencer organizações a dar o exemplo 


Por: Alan Rusbridger


                                                                                                                                                    SHUTTERSTOCK



Essas histórias, do tipo “nada saboroso, mas bom para todos”, são realmente benéficas, embora nem de longe tão agradáveis e deliciosas como as últimas fofocas sobre alguma personalidade, como o controvertido Jeremy Clarkson, ex-apresentador do programa Top Gear da BBC, ou algum vexame acidental de uma pessoa pública.

Mudanças climáticas são o suprassumo do jornalismo que é preciso engolir.
Em algum nível, a maioria das pessoas está ciente de que deveria estar profundamente preocupada com isso. Em outro, elas simplesmente não estão.
Talvez seja apenas assustador demais refletir sobre isso. A história muda pouco de dia para dia. E, de qualquer maneira, parece haver pouca coisa que alguém possa fazer a respeito.

Um deprimente fatalismo se abate sobre o tema. E editores de notícias dão de ombros e mudam de assunto.
Mas e se a história climática for a notícia mais importante da Terra, no sentido de, se não conseguirmos encontrar uma solução, então nossos filhos e netos podem herdar um planeta profundamente hostil ao tipo de civilização que apreciamos?
Ponderei essa questão em casa durante o Natal passado. Eu editava o The Guardian há quase 20 anos e tinha comunicado que deixaria o cargo no verão europeu de 2015.
Será que no pouco tempo que eu ainda tinha pela frente como editor havia uma oportunidade de fazer alguma coisa bem contundente e focada sobre mudança climática? Algo que fizesse as pessoas engolirem com gosto?
Eu tinha em minha mente as palavras do escritor e ativista ambiental americano Bill McKibben: essa coisa foi além das páginas sobre o meio ambiente.
Cientistas e ecologistas fizeram um trabalho brilhante ao longo dos anos, mas as verdades essenciais agora estão resolvidas.

A história climática se deslocou para os domínios de política, finanças e economia. É assim que eu teria de escrever a história para ter impacto.
Campanhas realizadas por jornais são capazes de energizar e inspirar pessoas de uma forma que simples reportagens não conseguem.
O The Guardian brincou com a ideia de promover uma campanha dessas visando formuladores de políticas, mas isso dava mais a impressão de estar consumindo brócolis.
Também teria sido fácil, mas provavelmente ineficaz, visar os grandes, malvados e conhecidos alvos nas indústrias de combustíveis fósseis.
McKibben nos convenceu a focar os três números que poderiam determinar o futuro de nossa espécie.

O primeiro, 2°C, é o limite máximo de aquecimento aceito internacionalmente para evitar perigosos efeitos de mudanças climáticas.
O segundo é a quantidade de emissões de dióxido de carbono (CO2) em excesso que muito provavelmente nos empurrará para além desse limiar.
E, o terceiro e último número é o volume de CO2 que seria produzido se todas as reservas de combustíveis fósseis conhecidas no mundo fossem exploradas (extraídas) e queimadas.
Alguns argumentam que alienar-se de combustíveis fósseis simplesmente levará a uma substituição de dinheiro “bom” por dinheiro “ruim”

É evidente que há incerteza em torno desses números. E, à medida que queimamos combustíveis fósseis cada vez mais rápido, eles representam um alvo móvel.
O que está muito claro, porém, é que o terceiro valor numérico é muito maior que o segundo; de fato, de três a cinco vezes maior.
Portanto, jamais se pode permitir que a maior parte das reservas de petróleo, gás e carvão seja mineirada ou extraída. E as companhias de combustíveis fósseis não deveriam desperdiçar o capital de investidores na prospecção de mais reservas desse tipo.
Empresas proprietárias dessas reservas são quase certamente supervalorizadas, e muita gente está se dando conta disso, de presidentes de bancos centrais a gestores de fundos de investimentos, líderes religiosos, executivos-chefes, universidades e organizações não governamentais.

Mas nem todos concordam sobre como reagir.
Alguns argumentam que alienar-se, ou afastar-se de combustíveis fósseis simplesmente levará a uma substituição de dinheiro “bom” por dinheiro “ruim”. Ou alegam que têm o dever de maximizar retornos. Ou que manter dinheiro aplicado nessas empresas permite que pessoas “boas” se “envolvam” e tenham alguma influência.
Surpreendentemente, existem algumas organizações “boas” que até agora têm se recusado a não investir mais em petróleo, gás e carvão.

Existem poucas instituições melhores nos campos da ciência e da medicina que a Fundação Bill & Melinda Gates e o Wellcome Trust.
Elas destinam enormes quantias de dinheiro para projetos e pesquisas que salvam incontáveis vidas e avançam o conhecimento e a compreensão humanos. Não há quase nada a desgostar a respeito delas.

No entanto, nenhuma das duas quer tirar seu dinheiro das empresas que não podem ser autorizadas a extrair e queimar todos os hidrocarbonetos que possuem.
Consequentemente, como parte de nossa campanha “Keep it in the Ground” (“Deixe que fique no solo”, em tradução literal) pedimos a essas organizações, educada e respeitosamente, mas com determinação, que repensem.

Mais de 180 mil leitores assinaram uma petição pedindo a elas que reconsiderem.
E, caso você esteja prestes a perguntar, o Guardian Media Group passou, no espaço de dois meses, de realmente não pensar muito sobre o assunto para anunciar que seu fundo de £800 milhões (US$ 1,2 bilhão) se alienará de combustíveis fósseis dentro de 2 a 5 anos.
A desculpa do Wellcome Trust, de que a entidade prefere se “envolver” com os gigantes de combustíveis fósseis, soa fraca e débil. Ela não apresentou nenhuma evidência de ganhos tangíveis resultantes dessa estratégia.

Se a Wellcome puder genuinamente apontar para os frutos de seu engajamento, ela certamente deveria, assim como bons cientistas, demonstrar essa evidência e não se esconder atrás do sigilo comercial.
Da mesma forma, se a Fundação Gates quer demonstrar que o bem que pratica supera as atividades nocivas e prejudiciais que ajuda a financiar, ela deveria reagir e tornar esse caso público.

Na ausência dessas evidências, essas maravilhosas fundações progressistas estão deixando de mostrar o tipo de liderança que poderia ser transformadora para mudar argumentos de políticas e influenciar os outros.
As vozes que ressoarão mais alto com o Wellcome Trust e a Gates Foundation são as de cientistas.

Eu os exorto a fazê-las serem ouvidas.

 Sobre o autor:
Alan Rusbridger é editor-chefe do The Guardian, em Londres.

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