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sexta-feira, 31 de julho de 2015

Rede de cabos submarinos opera em estado crítico

Por Nicole Starosielski

Rede de cabos submarinos transoceânicos de sistemas de comunicação, como internet, é dependente de intervenção humana

Estado de Alerta: O novo livro da professora-assistente de mídia, cultura e comunicação da New York University, 
Nicole Starosielski acompanha sistemas submarinos que atravessam pequenas ilhas e grandes aglomerados urbanos, 
conflitos em pontos costeiros e estações de cabeamento da época da Guerra Fria.


Atualmente, 99% de nosso tráfego de dados transoceânicos – incluindo telefonemas, mensagens de texto e email, websites, imagens e vídeos digitais, e até alguns sinais de televisão – atravessa as águas a bordo de cabos submarinos. Esses sistemas de cabos, ao contrário de satélites, carregam a maior parte do tráfego intercontinental da Internet. Em seu novo livro, The Undersea Network (“A Rede Submarina”,não disponível em português), a professora-assistente de mídia, cultura e comunicação da New York University, Nicole Starosielski, acompanha sistemas submarinos que atravessam pequenas ilhas e grandes aglomerados urbanos, conflitos em pontos costeiros e estações de cabeamento da época da Guerra Fria. 

Neste excerto, Starosielski visita centros de operações da rede onde sistemas globais de cabos são monitorados e mantidos por um pequeno grupo de engenheiros de elite.

Extraído com permissão de The Undersea Network, por Nicole Starosielski. Disponível em Duke University Press. Todos os direitos reservados. Copyright 2015, por Nicole Starosielski.

Entrada: Da Colônia de Cabos ao Centro de Operações de Rede

Ao entrar no centro de operações de rede de um sistema mundial de cabos submarinos, eu encontro o que você poderia esperar: uma sala dominada por salas de computadores, infindáveis feeds de informação sobre a atividade da rede e homens que monitoram cuidadosamente as ligações que dão suporte ao tráfego da Internet para dentro e para fora do país. À primeira vista, esse parece ser um local de mera supervisão, onde os humanos se sentam e observam máquinas fazendo o trabalho de conexão internacional, esperando apenas um momento de crise, como quando um barco de pesca local lança uma âncora sobre o cabo ou um tsunami joga o sistema em uma vala.

Essa visão popular das redes autônomas se deve mais ao cinema de Hollywood do que a verdadeiras operações de cabeamento. Na realidade, nossa rede global de cabos sempre está em algum tipo de crise e, ao mesmo tempo, é altamente dependente de humanos para sustentar o fluxo constante de transmissão de informações.

Talvez seja mais preciso dizer que esses cabos estão sempre em um estado de “alarme”. Um “alarme”, no jargão das redes, pode ser qualquer coisa: de uma indicação de que o cabo foi cortado a um lembrete sobre uma atualização necessária nos computadores. Sistemas submarinos não são tão diferentes de nossos computadores pessoais: eles precisam de atualizações e melhorias constantes, e também são suscetíveis a bugs e flutuações ambientais. Às vezes as coisas simplesmente não funcionam como o planejado. Os homens em um centro de operações de rede trabalham diariamente para resolver um conjunto de alarmes atualizados diariamente, que nesse local específico varia entre 120 e 150 por semana. A grande maioria deles compreende apenas sistemas de alerta, que notificam seus operadores sobre algum limiar iminente, um problema com um sistema de backup, ou uma possível fonte de interferência. Mesmo que nossos sinais continuem a passar por sistemas de cabo sem atraso, a rede submarina nunca funciona perfeitamente sozinha, isto é, sem alarme e sem assistência humana.  

Erros de sistema podem ser produzidos até mesmo pelo menor dos eventos. As estações onde essas ligações submarinas terminam abrigam imensos sistemas de resfriamento e, com todo esse ar condicionado lançando poeira para todos os lados, limpezas regulares são necessárias. Mas mesmo quando empresas empregam equipes especializadas de limpeza, frequentemente o número de alarmes aumenta durante o processo. Em contraste, durante o Natal esse número cai dramaticamente. Um gerente de operações explica o que pode parecer óbvio: “quando não há pessoas encostando nelas, as coisas tendem a não quebrar”. O interior de sua estação atesta o perigo de mãos humanas. As fibras primárias que vêm do mar ficam marcadas com fitas brilhantes onde se lê “Perigo Fibra Ótica”, para avisar qualquer um que entre na estação para não tocá-las. Durante o fim de semana do Super Bowl, outra empresa planejou não ter nenhuma atividade em sua estação, apenas para garantir que nada desse errado. A circulação de corpos humanos necessária para a operação da rede inevitavelmente sacode, empurra e põe o equipamento em estado de alarme.

Alarmes também podem ser gerados pelas próprias máquinas. Ainda que, em teoria, todo o equipamento de rede devesse ser idêntico e portanto previsível, na realidade cada dispositivo exibe um comportamento impressionantemente individual e pode produzir erros sem que haja qualquer contato humano com ele. Um gerente se queixa que sua estação simplesmente não tinha recebido o equipamento de transmissão adequado e, quando começou a dar problema, precisou de manutenções repetidas durante a maior parte de sua vida útil – uma espécie de criança-problema. Outro engenheiro de cabos explica que cada máquina é produzida usando diferentes lotes de matérias-primas e é montada em momentos diferentes. Dois conjuntos de circuitos podem ser tecnicamente idênticos, mas podem funcionar de maneira diferente durante o curso de suas vidas, em parte porque computadores diferentes contêm componentes de materiais diferentes. O vidro ou a solda podem ter qualidades ou origens distintas, e isso pode resultar em “falhas de lotes” que ocorrem em uma série de equipamentos produzidos ao mesmo tempo. O engenheiro usa uma analogia para explicar o processo: “É um pouco como fazer um bolo de frutas. Eu posso fazer um bolo de frutas na segunda-feira e um na quarta-feira, mas eles podem acabar sendo diferentes ainda que eu siga a mesma receita. No bolo da segunda-feira eu posso ter usado 192 gramas de açúcar e no da quarta, 205 gramas de açúcar. Diferenças mínimas poderiam ter um impacto desconhecido em algum momento do futuro”. 

A função dos homens nesse centro de operações de rede é ler o incessante fluxo de alarmes, determinando o que precisa ser consertado e conduzindo a manutenção necessária, tudo isso sem interromper o sinal de transmissão. Um dos técnico me deixa acompanhá-lo até uma estação de cabeamento durante um atendimento de rotina a um alarme. Ele explica que não existe uma correspondência de um-para-um entre cada alarme e problema no sistema. Em vez disso, um alarme é um sintoma de que algo está errado – uma indicação de uma conexão fracassada. Isso poderia ser comparado a uma febre ou irritação no corpo humano: a manifestação de um problema, mas não uma indicação de causa. Um rompimento total de cabos pode gerar muitos alarmes. Por outro lado, problemas múltiplos podem se resumir a um único alarme. 

Como resultado, existe uma quantidade significativa de interpretação humana necessária para deduzir a origem de um problema a partir de uma variedade de alarmes. Engenheiros de cabos podem ser vistos como os médicos da rede global de cabos. Apontando para uma luz acesa, um técnico diz: “Viu? Essa máquina está em estado de alarme”. Ele conecta seu computador a ela para descobrir o que está errado, mas o problema continua nebuloso. Então ele se volta para uma estante de onde saem vários fios que se conectam a outra máquina. Ele encara os fios soltos. “Eu acho que é esse aqui”, diz ele, pegando um cabo nas mãos, “ele deveria ficar ali” – e aponta para uma entrada – “mas não tenho certeza”. Ele não está dispostos a arriscar. Esse alarme é só para uma máquina de backup, então ele pode esperar. Nós saímos da estação, ainda sem ter certeza sobre a causa do alarme, e voltamos para o centro de operações de rede para consultar outros técnicos.

Ainda que, de certa forma, os computadores que apoiam as redes globais não sejam tão diferentes de nossos laptops pessoais, a importância desse tipo de manutenção é dramaticamente maior. Os técnicos tentam fazer cada sistema de backup, e cada backup do sistema de backup, funcionar perfeitamente. A maior parte do equipamento é projetada para funcionar durante 25 anos, a vida útil esperada de um cabo submarino, incluindo os repetidores que ficam no fundo do leito oceânico. Esses são alguns dos computadores mais duráveis do mundo. E mesmo assim algumas partes vão desenvolver bugs, e outras não vão. Técnicos mantêm registros detalhados sobre equipamentos individuais para conhecerem a história de cada parte. Registrar “o que cada um já passou” é crítico para manter uma rede confiável.  

Até mesmo a menor das perturbações na rede precisa ser avaliada. Um dos trabalhadores descreve o problema que teve com um equipamento que exibia um estado de alarme na estação de terra, mas o alarme não estava sendo detectado no centro de operações de rede. Como resultado, ele não pôde determinar onde estava o bug: no equipamento, ou nos computadores do centro. Mesmo sendo muito caro, o engenheiro decidiu enviar o equipamento para ter seu código reescrito, só por via das dúvidas. Mesmo que os alarmes sejam constantes, devido a esse trabalho intenso, falhas reais são poucas e raras.

Operar redes submarinas exige esse tipo de trabalho cuidadoso de interpretação e um conhecimento detalhado da história do equipamento de cabeamento, tarefas que não podem ser terceirizadas para computadores. Ainda que possamos pensar em redes digitais como sendo puramente técnicas, engenheiros e técnicos são os componentes humanos de um sistema que transporta 99% do tráfego transoceânico da Internet. Se esses trabalhadores desaparecessem, o sistema acabaria colapsando. Nós devemos a operação estável de comunicações globais em parte à sua capacidade de agir rapidamente e minimizar interrupções.    

O nível de segredo desse trabalho, a natureza especializada do cabeamento e o pequeno número de sistemas, porém, torna esse grupo bastante insular. Muitos estão na indústria de cabeamento há décadas. Mas mesmo com toda essa experiência, nenhum indivíduo compreende a rede inteira. Novos servidores e máquinas foram adicionados à estação que visitei, e o técnico que eu entrevistei não conhecia a história de cada um deles. Como resultado, engenheiros dependem fortemente uns dos outros para resolver problemas: eles devem saber quem chamar para obter cada informação e como coordenar reparos de sistema em diferentes plataformas. O isolamento da comunidade de cabeamento apoia esse trabalho de interpretação.

Quando eu pergunto aos operadores sobre as vulnerabilidades da atual rede submarina, muitos expressam preocupações com reduções e aposentadorias. Eles temem que o conhecimento cuidadosamente mantido da indústria seja perdido e que não haja ninguém para assumir seus lugares e respeitar os mesmos padrões de confiabilidade. Recrutar a próxima geração de trabalhadores é difícil. Não existe caminho direto para a indústria e ela permanece, em grande parte, invisível ao público. Um engenheiro descreve a situação: “Ninguém vai para a escola e diz que quer participar da indústria de cabeamento submarino”. De muitas maneiras, a operação do sistema de cabos submarinos está em oposição à cultura tecnológica cotidiana: ela é construída sobre uma ética de durabilidade, e não de descartabilidade. Muitos perguntam quem garantirá a continuidade das redes de cabos se sua indústria começar a trilhar o caminho da alta rotatividade, do trabalho desvalorizado, ou da obsolescência programada. Quem garantirá que os corpos que mantêm nossas redes submarinas são tão confiáveis quanto a tecnologia de cabeamento?

Publicado por Scientific American

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